O niilismo é um conceito que trata da falseabilidade à que estão submetidas as observações humanas. Segundo esse conceito nenhuma teoria ou observação empírica ou até mesmo filosófica pode ser aceita como verdade, o que é um dos pilares da ciência moderna, uma vez que isso significa que tudo sempre deve estar no campo da refutação, uma vez que em um universo de probabilidades infinitas seria impossível para o homem precisar com 100% de certeza quando ou quanto uma constatação empírica pode estar correta.
O contrário do niilismo seria a tradição metafísica ou dedutiva, em que se pode pressupor pilares que estão fora do alcance do poder de observação humana empírico, que não podendo ser testados por nenhum método ou instrumento, não podem assim ser negados pelo racionalismo, exemplos clássicos são as tradições e os conceitos fundamentados em convicções religiosas.
Popper soube se desdobrar como ninguém sobre o conflito subjacente que existe entre o niilismo presente na cultura científica secular e a relevância da tradição, mesmo que metafísica ou dedutiva, para a construção social.
Ora muito defensor do racionalismo, ora muito defensor do tradicionalismo, Popper faz um mea culpa entre os dois pontos, alcançando quase que um meio termo, um certo ponto de equilíbrio sobre o tema, mas que invariavelmente tende mais para a tradição metafísica do que para o racionalismo propriamente dito.
Popper desenvolveu o termo 'Racionalismo Crítico' para nomear o sistema filosófico proposto por si próprio, em que um dos conceitos centrais é o da falseabilidade das teorias científicas e mesmo filosóficas. Nesta hipótese voltamos ao conceito de niilismo, em que apenas uma negação é suficiente para invalidar toda uma teoria, mas que nenhuma quantidade de afirmações podem ser suficientes para confirma-la com 100% de precisão. No entanto o conceito proposto por Popper já começa com um paradoxo, uma vez que seu próprio conceito de filosofia científica também acaba fadado ao mesmo conceito de falseabilidade.
Partindo do ponto do Racionalismo Crítico Popper chegou à outros conceitos que completaram a explicitação de sua visão sobre política e sociedade, sendo os mais notórios: a superstição marxista, a sociedade aberta, seu entendimento sobre democracia e soberania popular, o Estado limitado e aqueles a quem ele definiu como 'Inimigos da sociedade aberta'. Todos esses conceitos são quase sempre embalados pelo entendimento central de que sempre deve haver espaço para crítica e contraditório, sendo as liberdades de expressão indispensáveis para se chegar à essa máxima Popper'ana.
A contradição de Popper
Karl Raimund Popper, filósofo científico do séc.XX |
Um discurso que se confunde com os dos fundamentalistas religiosos e não parece contribuir para as noções de Laicidade de Estado.
Portanto uma de suas frases: “Não sabemos. Só podemos conjeturar.”, se perde quando afirmações que não podem ser verificadas ou testadas pelo método científico podem ser tomadas como fatores de interpretação da legislação executada pelo Estado. Popper se esquece que a própria sociedade acaba evoluindo sua interpretação do que é ético principalmente com base nos avanços científicos que desfruta.
Seu argumento sobre o caos social fruto da relativização da ética e noções de moralidade, também não considera que a ética instituída hoje não é fruto de uma ética que sempre existiu, mas uma herança do próprio racionalismo ao longo da evolução humana, e da própria evolução da consciência humana em torno das noções de direitos e deveres coletivos e individuais.
Quando a relativização da moralidade vigente é positiva?
Expressando seu pensamento sobre a questão das tradições sociais que não devem estar necessariamente atreladas ao racionalismo, Popper afirma: “Como todas as leis podem estabelecer apenas princípios universais, elas devem ser interpretadas para ser aplicadas; mas uma interpretação, por sua vez, precisa de certos princípios da prática cotidiana que só uma tradição viva pode desenvolver”.
No entanto, pela própria integridade dos princípios de liberdade de expressão, Laicidade de Estado e de direitos individuais a 'tradição’ e ‘moralidade’ vigentes podem ser sim relativas e não aplicáveis para interpretação das leis, principalmente quando estas vem salpicadas de preceitos religiosos.
A ética está atrelada à evolução da mente humana que pode ser explicada por alguns fatores, sendo o mais importante de todos o conhecimento que se passa de geração em geração. Conhecimento esse que possibilitou a todo grande pensador bases para suas deduções, inclusive o próprio Popper. Ai entramos no conceito de Senso Comum. O senso comum seria como um comportamento quase que instintivo herdado por indivíduos de uma mesma cultura e criação social, senso comum não deve ser confundido com crença, embora possa incorporá-la. Podemos afirmar também algo óbvio, o senso comum não depende da reflexão e experimentação científica, no entanto é moldado por ela, de forma que as vezes o senso comum de uma sociedade é claramente visto, à luz dos novos conhecimentos adquiridos pela humanidade, como incorreto e éticamente contrário aos direitos humanos universais.
Assim cada geração, ao longo dos séculos, se beneficiou dos conhecimentos adquiridos da anterior. A inteligência de que os seres humanos devem ser livres em sua escolha pessoal é fruto dessa evolução do pensamento que foi propiciado principalmente pelo aumento do conhecimento acumulado que possibilitou ao homem ampliar em grande escala o seu campo de pesquisa a cerca do mundo, da sociedade e da natureza, e com isso conseguir uma amplitude filosófica mais coesa para definir o que é certo e o que é errado.
A tradição não se resume em conhecimento factível e racional, muitas tradições são fruto de culturas ultrapassadas em conhecimentos científicos de forma que hoje em dia seriam criminosas e injustas se colocadas em prática, essas tradições deixaram de acompanhar a evolução do pensamento humano e portanto se tornaram danosas para a humanidade uma vez que os benefícios que essas tradições transmitem não se fazem mais necessários porque podem muito bem ser supridos de outras fontes mais evoluídas e racionais. E para tanto temos muitos exemplos que coloco aqui em ordem cronológica na história: judeus não sacrificam mais animais em rituais, não existem mais religiões aceitáveis que sacrifiquem seres humanos em cultos à deuses, a inquisição rendeu diversos pedidos públicos de desculpas da Igreja Católica, o casamento entre pessoas do mesmo sexo já é fato do cotidiano de várias nações.
Portanto, muitas dessas tradições, que são em sua esmagadora maioria ligadas à preceitos religiosos, são muito mais danosos a sociedade mundial do que de fato benéficas. Vemos isso quando olhamos guerras e atentados terroristas movidos por questões religiosas no oriente médio, ou mesmo a perseguição religiosa que sofrem os homossexuais e minorias religiosas por terem uma orientação sexual ou uma escolha religiosa condenada pela convicção da maioria local. Muitas vezes essas pessoas, entre elas até mesmo cristãos, quando são minoria, são brutalmente condenados como criminosos, presos ou mesmo mortos.
O caso da homossexualidade, mais notório, por, reconhecidamente pela ciência, não se tratar de uma simples escolha de convicção pessoal, mas como muitos estudos corroboram, um resultado de diversos fatores, entre eles podendo ser até mesmo genéticos, só mostra o quanto as noções de ‘moralidade’ e de ‘tradição’ podem contribuir para acentuar a imoralidade do preconceito e da estigmação, como já o fez em diversas épocas, como em relação a escravidão dos anos 1800, e ainda hoje faz.
Portanto a tradição é quase sempre prejudicial por preservar pensamentos irracionais e que fomentam ainda mais a irracionalidade, por outro lado a passagem natural de conhecimento de uma geração para outra, conhecimento esse que muda através da própria evolução da mente e pensamento humano, esse conhecimento é saudável, porque permite que o homem observe e interprete o mundo sobre a ótica do que entendemos e do que observamos agora, e não sobre a ótica de uma geração ultrapassada.
Dessa forma assim como a relativização generalizada da moralidade pode ser um agente do caos na sociedade, a generalização da relativização do método empírico científico, pode também ser um outro agente do caos.
Dessa forma assim como a relativização generalizada da moralidade pode ser um agente do caos na sociedade, a generalização da relativização do método empírico científico, pode também ser um outro agente do caos.
A partir do momento que vamos contra aquilo que a nossa própria evolução científica empírica aponta para fazer julgamentos e leis em cima da tradição que temos, estamos regredindo, além disso, estamos perpetuando que todos devem aceitar e ter convicção em coisas que não podemos testar e nem observar e nem pesquisar, e com isso estamos sendo completamente irracionais.
A irracionalidade é um caminho para a involução, e se alia exatamente à pensamentos humanos que só geram danos a sociedade, como o que tem o Estado Islâmico, o movimento ultraconservador americano, a condenação de homossexuais na Nigéria, a proibição da liberdade religiosa no comunismo extremado, e o nazismo na Alemanha.
@GestSouza
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